segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Políticas públicas são ineficazes

Ricardo Araújo - repórter

Aos 17 anos, Francisco (nome fictício) traz consigo marcas de uma vida inteira nas ruas. Destituído de sua família, há sete anos é assistido pelos programas sociais do Município. Entre idas e vindas aos centros de assistência, tentativas em vencer a dependência do crack e ir regularmente à escola. Todas elas, porém, frustradas. As políticas municipais de assistencialismo social não foram suficientes para mantê-lo na instituição, educá-lo adequadamente e encaminhá-lo a um curso profissionalizante. Como consequência, fugas recorrentes e recaídas. Consciente da conjuntura na qual está inserido Francisco e muitos outros adolescentes, a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), afirma que está em busca de alternativas para solucionar o problema.

alex régisO menino Francisco, 17 anos, vive na rua após fugir várias vezes da Casa de Passagem. A última fuga ocorreu depois de esfaquear colegaO menino Francisco, 17 anos, vive na rua após fugir várias vezes da Casa de Passagem. A última fuga ocorreu depois de esfaquear colega
A história de Francisco é apenas um caso das crianças que fogem das Casas de Passagem e retornam para as ruas. Em Natal, são três imóveis administrados pela Semtas, onde estão cadastradas cerca de 120 crianças e adolescentes. Elas foram encaminhadas às Casas após solicitação dos Conselhos Tutelares à Vara da Infância. Em duas delas, a situação é considerada satisfatória pela secretária municipal adjunta de Assistência Social, Verônica Dantas. Na terceira, entretanto, os problemas começam pela infraestrutura do prédio e se evidenciam na dinâmica de funcionamento da instituição. "Nós reconhecemos que temos dificuldades na Casa de Passagem III. Há crianças e adolescentes que cometeram atos infracionais, consomem drogas".

Foi justamente desta Casa que Francisco fugiu. A fuga se deu, após ter cometido um delito contra um colega interno. "Eu furei meu colega e depois fugi. Não lembro o dia, mas faz pouco tempo. Eu prefiro ficar na rua porque tenho mais liberdade", admite Francisco. Ele foi abordado pela reportagem durante o início da madrugada da quinta-feira passada, enquanto limpava parabrisas num cruzamento da zona sul. Até o início do diálogo, não se sabia que ele era um evadido da Casa de Passagem.

A secretaria relata, ainda, que os adolescentes mais velhos acabam influenciando as crianças que vivem no mesmo local. Para a psicóloga Normanda Morais, muitas dessas instituições não conseguem propor práticas de atendimento que respeitem as particularidades das faixas etárias atendidas. "Sobretudo, há um choque de valores, de linguajar, de perspectivas de vida, que termina sendo um grande desafio ao trabalho. Infelizmente, falta-nos, ainda, criatividade e recursos humanos e financeiros para propor alternativas mais coerentes às reais demandas das crianças atendidas", destaca.

De acordo com Verônica Dantas, o Município busca recursos para pôr em prática dois projetos. Um deles criará Residências Inclusivas. O outro, implantará a Casa de Passagem IV, exclusiva o tratamento de crianças e adolescentes viciados em drogas. Tudo esbarra, porém, na falta de recursos e na burocracia. Enquanto os projetos não se tornam reais e sob o conhecimento dos governantes, Francisco se droga, comete delitos e vive sem perspectivas de reinserção social.

Travesti e prostituta aos 16 anos

A janela dos carros que cruzam as ruas escuras do bairro Capim Macio, zona Sul de Natal, emolduram corpos modificados por hormônios e implantes de silicone. A vitrine preferida de mulheres e travestis que se prostituem na região, são as esquinas. Um corpo franzino e o comportamento tímido, chamou a atenção da equipe de reportagem na noite da última quinta-feira. Amanda, 16 anos. Nome adotado por um menino que, aos oito anos de idade, após conversas com amigos mais velhos, decidiu transformar o corpo e se tornar travesti. Prostitui-se desde então. Divide a esquina com mais três jovens que também ganham a vida vendendo o corpo, uma delas de 17 anos. Os três cobram R$ 50 pelo programa - o preço de uma infância perdida. Amanda, menor de idade e vivendo em situação de risco, disse nunca ter sido abordada por assistentes sociais.


alex régisAmanda, 16 anos, faz ponto em uma rua do bairro de Capim Macio. A adolescente conta que decidiu seguir esse caminho aos 8 anosAmanda, 16 anos, faz ponto em uma rua do bairro de Capim Macio. A adolescente conta que decidiu seguir esse caminho aos 8 anos
Das 19 horas às 3 horas da manhã, o trabalho no ponto é quase sagrado. "Estou aqui quase todos os dias. Faço uns quatro programas por noite", admite Amanda. Ela e as amigas utilizam parte de uma construção da Caern como abrigo. O lugar é muito escuro e não oferece nenhum tipo de segurança. Lá, Amanda se expõe como um objeto, sempre disponível a quem lhe oferecer dinheiro. Parte do que arrecada é para a família.

"Parte do dinheiro que eu ganho, eu dou para minha mãe. Por isso, que ela me aceita sem problemas", confirma. A autoconfiança com a qual Amanda responde aos questionamentos da equipe de reportagem, chama atenção. Em nenhum momento, desvia o olhar ou trata o assunto com deboche. Entretanto, questionada sobre o que diria aos seus filhos, se um dia os tiver, sobre a vida que tem hoje, ela para e reflete. "Eu aceitaria se fosse gay, sapatão. Mas diria que a vida de travesti é ruim".

Com os estudos interrompidos aos 12 anos, no sétimo ano do ensino fundamental, as perspectivas de Amanda em relação ao futuro passam somente pela comercialização do seu próprio corpo. "Quero colocar silicone. Quero ser bonita e me prostituir até quando quiser", diz com segurança sem conseguir vislumbrar outro futuro. Para a psicóloga Normanda Morais, casos como o de Amanda refletem as consequências negativas da exploração sexual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário