segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A dura vida dos jovens que vivem na rua

As duas personagens que compõem esta reportagem, trazem consigo histórias de vida que poucos costumam ouvir. Entretanto, elas estão mais próximas do que imaginamos. Basta olhar pela janela do carro, do ônibus. Em algum momento, Sofia ou Pedro (nomes fictícios), poderão lhe pedir uma moeda ou simplesmente limpar seu parabrisas. Eles tem 15 e 16 anos, respectivamente. Hoje, vivem numa das três Casas de Passagem mantidas pela Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas).
Alex RégisO jovem Pedro que vê sua adolescência se perder na rua conta que já roubou e esfaqueou pessoasO jovem Pedro que vê sua adolescência se perder na rua conta que já roubou e esfaqueou pessoas

Sofia perdeu a mãe quando tinha 11 anos. Ela foi assassinada por um homem que comandava uma boca de fumo no Planalto. A menina cresceu em meio aos papelotes de maconha e cocaína que via a mãe embalar, por certas vezes consumir e vender. Após a morte da mãe, ganhou as ruas da cidade. Fez tatuagens, perdeu dentes devido à falta de cuidados básicos com a dentição, deixou de ir à escola. Apanhou, fumou maconha, fugiu da polícia e de quem queria ajudá-la.

Pedro foi abandonado pela mãe na casa de uma vizinha quando tinha seis anos. Anos depois, assistiu à morte do pai, em decorrência do uso abusivo de drogas ilícitas combinadas com álcool. Aos oito anos, escolheu a rua. Ou a rua lhe condenou, por falta de perspectiva em relação ao futuro. Entregou-se ao crack. Roubou, assaltou, "furou" outro adolescente para se manter vivo. "É essa a lei da rua", afirmou. Fugiu da polícia, se fingiu de morto. Analfabetos, Sofia e Pedro são somente dois, dos 120 adolescentes catalogados pela Semtas em situação de risco em Natal.

Através do Serviço Especial de Abordagem Social (Seas), desenvolvido pela Secretaria, foram retirados das ruas e hoje tem a oportunidade de (re)construir, de fato, suas vidas. O olhar cabisbaixo de cada um deles, dá lugar a um semblante de entusiasmo e esperança sempre que questionados sobre o que esperam do futuro. Somente nas Casas de Passagem, que no total são três espalhadas por Natal, a Semtas investe mensalmente cerca de R$ 70 mil (sendo R$ 13 mil em repasses federais).

De acordo com a secretária municipal de Assistência Social adjunta, Verônica Dantas, a maioria das crianças e adolescentes retiradas das ruas hoje, vivem em situações que vão desde a negligência dos pais ou responsáveis à exploração sexual. "A grande parte, entretanto, está envolvida com o crack. O índice de crianças e adolescentes viciados é muito alto", destacou Verônica.

Antes de chegarem às Casas de Passagem, as crianças e adolescente são encaminhadas para os Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Creas). Lá, elas recebem apoio de uma equipe formada por educadores, psicólogos e assistentes sociais. Eles trabalham com o objetivo de devolver a criança ou adolescente aos seus respectivos responsáveis. Com a garantia de que serão bem tratadas.

Caso não encontrem nenhum familiar, são encaminhados para a Vara da Infância e Juventude. O juiz, por sua vez, os encaminha para as Casas de Passagem, caso ninguém reclame a responsabilidade de cuidá-los. Alguns deles, inclusive, são disponibilizados para adoção.

Somente na Casa de Passagem III, em Capim Macio, três adolescentes esperam por pais adotivos. As dificuldades, porém, começam quando a coordenadora da Casa, Rejane Maria Bruno, informa a idade deles. "São adolescentes entre 12 e 17 anos. Dois deles são deficientes e um está detido no Ceduc pois praticou alguns delitos". Um dos meninos, sofre de epilepsia. Já a menina, é surda e só se comunica através de sinais.

Para o promotor de Defesa da Criança e do Adolescente, Marcos Aurélio de Freitas Barros, quando a criança ou adolescente escolhe a rua, é porque já existe um histórico de violência e, possivelmente, abuso sexual no seio familiar. A Promotoria é responsável pela fiscalização dos trabalhos desenvolvidos pelas entidades que cuidam de crianças e adolescentes em situação de risco.

Crack é a droga mais usada

De volta às ruas, a realidade vivida por Sofia e Pedro até certo tempo atrás é a mesma de inúmeras outras crianças e adolescentes. Ao invés de estarem nas escolas, estão sendo exploradas sexualmente, vendendo o corpo por uma pedra de crack. Não importa a hora do dia ou da noite. Nas proximidades da Avenida Interventor Mário Câmara, em Dix Sept-Rosado, há sempre crianças e adultos se drogando. Ou até mesmo à espera do próximo cliente.

Entregues ao vício, elas não tem para onde serem encaminhadas. "Nossa maior dificuldade é não ter um serviço especializado para o tratamento de crianças e adolescentes em situação de drogadição", destacou Verônica. Sofia afirmou que jamais havia provado a "pedra", somente maconha. "Eu via minha mãe embalando e ficava curiosa. Mas crack eu nunca fumei".

Pedro, disse com entusiasmo que estava limpo há alguns meses. "Não quero mais isso. Quero aprender a ler, estudar e crescer na vida". As cicatrizes da vida são as mesmas que marcam seus corpos, franzinos e sensíveis. Estas mesmas marcas jamais os farão esquecer da vida que tiveram. "A liberdade que a rua oferece, não inclui o amor, a atenção, nosso cuidado com a educação destas crianças", sintetizou Rejane.

MP fiscaliza entidades e programas

De acordo com o promotor, existem hoje em funcionamento no Estado, 115 instituições entre públicas e privadas. Além do acompanhamento desses locais, ele fiscaliza o desenvolvimento de 29 programas voltados aos menores. "É um tipo de trabalho que exige visitas sistemáticas aos locais, com um acompanhamento técnico do que está sendo feito", ressaltou.

Uma das instituições acompanhadas pela Promotoria é o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica), que dispões de representantes da municipalidade e da sociedade civil. "O Comdica é fundamental, mas precisa exercer melhor seu papel. O Comdica, inclusive, pode deliberar sobre políticas e acompanhar o serviço dos conselhos tutelares, além da própria ação do Município".

Em junho, três entidades que faziam parte do Conselho pediram desligamento. As Organizações não Governamentais Fé e Alegria, Casa Renascer e Adote renunciaram alegando que vivenciavam "um momento atípico no que se refere aos parâmetros éticos no exercício do poder e no embate de ideias". Os assentos estão disponíveis no Comdica à espera da escolha das novas entidades representantes da população.

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