segunda-feira, 18 de julho de 2011

ENTREVISTA AO JORNAL DE HOJE 07/07/2011

Circula entre especialistas de diversos setores do saber e também pelo senso comum que a educação seria um dos antídotos para prevenir problemas como violência e drogadição. E a escola, nesta engrenagem, o melhor local para que sejam lançadas as bases para isso, tendo na qualificação dos professores um caminho. Como célula de orientação aos profissionais da educação, para enfrentamento a problemas como os já citados, e trazendo à tona discussão sobre temas como bullying, o Núcleo Estadual de Educação Para a Paz (Neeppaz), pertencente à Secretaria de Estado da Educação e da Cultura, desenvolve ações orientadas à promoção da paz nas escolas da rede pública estadual.
O Neepaz foi criado mediante a portaria 1.111/2009-SEEC/GS, consoante o que já versava a Lei Estadual 8.814 de março de 2006, a qual já dispunha sobre o Programa Estadual Paz na Escola, a fim de controlar a violência nas escolas, bem como sobre a criação do Conselho Estadual de Promoção da Paz na Escola. A oficialização do Núcleo ocorreu através da portaria 333/2010 – SEEC/GS, de 10 de fevereiro de 2010. A estrutura, de acordo com o presidente do Conselho, o professor João Maria Moura, representa um marco para o desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento a violência e ao uso de drogas. O Conselho possui caráter consultivo e deliberativo, e cuja constituição é de 50% por membros do Governo e a outra por representantes da sociedade organizada.
A importância de haver dispositivos que lidem com esta realidade e através da formação escolar busque transformar os diferentes cenários em que as escolas estão foram traduzidas nos números da pesquisa apresentada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas, os quais indicam que 65% dos estudantes de ensino fundamental e médio do Brasil já haviam experimentado álcool pelo menos uma vez e 22% deles, usado drogas ilícitas. Em Natal foram ouvidos 1.633 estudantes, dos quais 46% afirmaram ter consumido bebida alcoólica e 16,5% consumido entorpecentes, conforme lembrado por João Maria.
“O que temos hoje são ações inadequadas e desarticuladas”, avalia o presidente do Conselho Estadual de Promoção da Paz na Escola, pondo em relevo que é necessário fazer um trabalho intenso junto aos educadores a fim de que saibam lidar com este fato presente no tecido social, sendo então necessária uma rede de fomento e orientação. O trabalho do Neepaz se dá neste primeiro momento mediante a realização de seminários e cursos de capacitação direcionados a professores e técnicos. O objetivo é qualificar os educadores para que trabalhem em sala de aula como multiplicadores na promoção da cultura da paz, prevenção as drogas, enfrentamento do bullying, e direitos humanos.
A rede conta com a participação de representantes dos diversos setores da Secretaria de Educação, das escolas (professores, gestores, alunos e técnicos), das Direds (Diretorias Regionais de Educação), e das entidades parceiras. Trabalham conjuntamente com a estrutura da SEEC a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Conselho Estadual de Entorpecentes (pertencente a Secretaria de Segurança), Ouvidoria Pública, Subsecretaria Estadual da Juventude, Instituto Potiguar de Prevenção e Combate as Drogas, Proerd (Programa Estadual de Resistência às Drogas e Violência), Ronda Escolar, Promotoria da Educação do Ministério Público.
Efetivamente, um dos trabalhos feitos pelo Núcleo foi junto às Diretorias Regionais de Educação (Direds), as quais foram levadas a produzir um plano de trabalho orientado à promoção da cultura da paz adequada às peculiaridades encontradas nas 16 jurisdições. As ações desenvolvidas não se encerram dentro dos muros das escolas, mas também insta a comunidade a participar ajudando a detectar quais são as demandas oriundas dela mesma. No entanto, a iniciativa parece estar esbarrando nos entraves orçamentários desde o ano passado, momento em que já deveriam ter visitados cada uma das Direds a fim de rever o material produzido e monitorar o início das atividades.
O técnico pedagógico Vanduí Guedes, que também compõe o Núcleo de Educação Para a Paz - órgão executor das proposições do Conselho, que fiscaliza como está sendo desempenhadas as ações -, fala da importância de se criar uma cultura de paz e sublinha que a questão da violência não pode ser resolvida sozinha pela escola, uma vez que é um reflexo social e familiar. A também técnica pedagógica, Suelly Marinho, lembra que mesmo não sendo premissa direta deste segmento da Rede, por diversas vezes os membros do Neepaz têm recebido a visita de famílias que sofrem com o problema da drogadição, realizando um trabalho de acolhimento, aconselhamento e acompanhamento. “Um desses motivos é o fato de João ter um trabalho já conhecido no combate às drogas, tem conhecimento com os administradores das unidades terapêuticas”.
Sobre o que pôde ser constatado no trato diretos com as escolas estaduais da rede pública, as informações do Conselho apontam para problemas como enfrentamento de gangues dentro e fora das escolas, depredação do patrimônio público, uso de drogas dentro e nos entornos das unidades escolares e casos de pedofilia, nos quais garotos estariam sendo assediados sexualmente em troca de favores e dinheiro, em ambientes externos às escolas.
Bullying – um inimigo oculto
Uma prática de violência social que tem despertado a atenção de estudiosos da área pedagógica e membros das áreas de saúde, bem como de pais e responsáveis que se deparam como mudanças bruscas no comportamento de crianças do seu convívio, é o bullying, a partir do qual numa situação de desequilíbrio de poder uma pessoa ou grupo agride física e/ou psicologicamente o alvo. Lidando com o assunto, pontualmente, o professor Eugênio Oliveira revela que mesmo sendo difícil gerar estatísticas sobre o assunto no RN, ele existe e deve ser alvo de cuidados.
O técnico pedagógico explica que se faz necessário diferenciar o que são comportamentos jocoso, brincadeiras, daquilo que pode ser considerado bullying. “Falta informação sobre o assunto. Anda hoje tudo é considerado brincadeira”, aponta ele, que complementa ser o Nordeste a região em que menos há aferição de tais ações de confronto e humilhação. “Possivelmente por ser uma população que gosta muito de brincadeiras seja mais difícil definir o que é ou não o bullying”, enfatiza. Ele também cita que as regiões Sudeste e Sul, respectivamente, lideram o ranking de tal prática social.
Eugênio evidencia que não há um motivo específico para que as sessões de intimidação ocorram, mas que vários fatores podem ser justificativas pessoas para os algozes. “Existe a questão étnica, tem o lado da homofobia que também alimenta o bullying”. O professor fala que, de maneira metodológica, os especialistas apontam a repetição da suposta brincadeira como um indício de bullying, utilizando para tal o controle de quantas vezes por semana, quinzena ou mês o fato ocorre. “Muitas vezes, vítima e agressor são vítimas porque aquele que pratica a agressão acaba reproduzindo um comportamento vivenciado em casa”, alerta.
As expressões mais comuns deste distúrbio comportamento, de acordo com o educador, podem ser de cunho sexual, mediante o furto do dinheiro do lanche, ou psicológico, a partir do abuso de poder. E a maneira de se livrar do problema, é denunciar, avisa Oliveira, pontuando que muitas vezes este ato se torna difícil devido ao medo de represálias. “Se for o caso, tem de ir a uma delegacia e fazer boletim de ocorrência”, lembra ele afirmando que é necessária uma política de prevenção e esclarecimento mediante palestras e debates.
A criação de ouvidorias em cada escola é apontada como um dos meios para controlar questões relacionadas a drogadição, abuso de poder e outros tipos de violência, uma vez que há casos em que o protagonista da violência é o professor, mediante o uso distorcido da autoridade que lhe é conferida. Yara Nassau, também participante do Núcleo, fala do perigo da violência simbólica, aquela na qual estruturas sociais já estão definidas e tudo aquilo que for diverso ao já proposto, pode ser considerado justificativa para atos de coação. “A violência muda de contextos, mas em comum existe o fato de que direitos básicos são sonegados”.
O professor Eugênio finaliza trazendo à tona uma triste constatação de que a relação aluno/professor está comprometida, uma vez que a categoria perdeu o respeito ante crianças e adolescentes. “Hoje o professor não inspira mais o aluno. Quem quer ser professor hoje em dia? Ouço em sala de aula alunos me questionarem sobre o porquê de estudar tanto e me tornar um profissional que não é valorizado”, narra ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário